Por que falta tanta empatia na pandemia?

Por: Sergio Bialski

No momento em que este texto é produzido, o Brasil contabiliza, de acordo com dados oficiais do consórcio de veículos de imprensa, 57.658 óbitos e 1.345.254 casos em decorrência da covid-19. A precisão em dar aqui os números é essencial, pois cada vida importa. Contudo, para uma parcela da população parece que isso não tem muita relevância.

No dia 20/03/2020, Alexandre Guerra, do Giraffas, postou um vídeo nas redes sociais afirmando: “Você que é funcionário, que talvez esteja em casa numa boa, numa tranquilidade, curtindo um pouco esse home office, esse descanso forçado, você já se deu conta de que, ao invés de estar com medo de pegar esse vírus, você deveria também estar com medo de perder o emprego? Será que sua empresa tem condições de segurar o seu salário por 60, 90 dias? Você já pensou nisso?”

No dia 23/03/2020, Junior Durski, dono do Madero, não ficou para trás e engrossou a fila de empresários que se opuseram às medidas de quarentena e isolamento social para conter o avanço do novo coronavírus. Disse ele: “O Brasil não pode parar dessa maneira. O Brasil não aguenta. Tem que trabalhar. Nós não podemos parar por conta de 5 mil ou 7 mil pessoas que vão morrer”. De acordo com o dono do Madero, em termos comparativos os números eram inexpressivos em comparação com assassinatos, desnutrição e tuberculose no País. E emendou: “Não podem simplesmente os infectologistas decidir que tem que todo mundo parar. Tem que ser mais realista para esse negócio todo”.

Também no dia 23/03/2020, o empresário Roberto Justus declarou: “há um exagero nas medidas para conter o vírus. No Brasil, nós temos aqui poucos casos ainda e temos, infelizmente, 25 mortos. Mas 25 mortos para 210 milhões de habitantes é um número muito baixo. O que eu quero dizer com isso? Eu quero dizer que nós estamos dando um tiro de canhão para matar um pássaro. Nós estamos exagerando na dose”.

Em Gramado, há cerca de 2 meses, garçons de um restaurante dançaram em êxtase ao servir vinho, imitando o meme do caixão e esculachando a morte. Em Araucária, o cliente de um supermercado recusou-se a usar máscara para entrar no estabelecimento e brigou com o segurança. Resultado: uma mulher, que nada tinha a ver com a história, morreu com um dos tiros disparados pela arma do segurança.

Não faltam exemplos para ilustrar situações semelhantes a essas, mas a pergunta é: por que falta empatia?

Não se trata de uma pergunta fácil de responder, mas o primeiro passo para praticá-la consiste na capacidade de se colocar no lugar do outro, compreendendo-o e respeitando-o, livre de preconceitos. Isso é empatia. E, acima de tudo, ela começa pela comunicação, com demonstrações explícitas de que nos importamos com o outro e de que escutamos ativamente seus medos e preocupações.

A escuta ativa, sensível e sincera propicia o engajamento de todos os públicos com os quais nos relacionamos, estimulando-os a se expressarem e externarem suas necessidades, e evita alguns péssimos hábitos que temos, dentre os quais:

1) nem sempre escutamos o outro;

2) escutamos o que queremos;

3) escutamos apenas o necessário para responder;

4) simplesmente não escutamos o outro.

Além da falta de sensibilidade ao escutar, chama a atenção o discurso padronizado que tantas marcas têm adotado. O que mais se vê são frases do tipo “estamos separados, mas sempre juntos de você”. Sem dúvida, falta autenticidade, pois é sabido que não bastam mensagens de falsa solidariedade ou promoções oportunistas em época de pandemia para criar empatia.

Empatia, acima de tudo, é colocar em prática propósitos autênticos que se conectem com o interlocutor. É colocar-se à disposição, oferecendo o que temos de melhor ao interesse dele, e não ao nosso. É ter responsabilidade e ir para a linha de frente para ajudar o outro a vencer. Se ele vence, vencemos juntos. É praticamente uma relação biológica do tipo mutualista.

O psicólogo e PhD pela Universidade de Harvard, Daniel Goleman, dedicou um capítulo de sua obra Inteligência Emocional à importância sobre o autoconhecimento. Nele, Goleman recorda uma antiga história japonesa sobre o desafio que um guerreiro samurai fez a um mestre Zen para que este explicasse o conceito de céu e inferno. O monge, com desprezo, respondeu:

– Não passas de um bruto! Não vou desperdiçar meu tempo com alguém de tua laia!

Furioso com o inesperado ataque à sua honra, o samurai, num acesso de fúria, não titubeou e arrancou a espada da bainha, bradando o seguinte:

– Deverias ser morto por tua impertinência!

Calmamente, o monge, com toda a sua sabedoria, retrucou:

– Isso é o inferno!

Espantado com o ato do mestre e entendendo a lição que estava sendo dada, o samurai se acalmou, guardou a espada e agradeceu pelo ensinamento. Nesse instante o mestre retrucou:

– E isso é o céu!

A consciência de nossos sentimentos no momento exato em que eles ocorrem, tal como a história do mestre e do guerreiro, é nas palavras de Goleman “a pedra de toque da inteligência emocional”.

Esse aspecto é relevante nas discussões sobre empatia, pois a autoconsciência – entendida como uma permanente atenção ao que estamos sentindo internamente – faz com que nossa mente observe e investigue o que está sendo vivenciado e possa tomar atitudes de mudança em relação a isso, a fim de se conectar com o próximo, e não, de forma egoísta, a nós mesmos.

É muito difícil dizer se sairemos melhores após a pandemia. Contudo, se após ler esse texto você ligar ou conversar com alguém que precisa, mostrando que entende o que a pessoa está sentindo e que se preocupa com ela, já terá valido o tempo que aqui dediquei para tentar me conectar a você. É essa rede virtuosa de conexões, em que deixamos de ser nós mesmos para sermos o outro, que nos faz melhores como seres humanos.