Redes sociais e a lógica mercantil oculta nos likes

Por: Sergio Bialski

Não é preciso ser especialista para saber que reputação é uma moeda de troca cada vez mais relevante para qualquer marca, afinal, acontecimentos ocorridos em diferentes espaços geográficos são facilmente transmitidos num curto espaço de tempo. Por isso, transparência, conformidade com as leis e atenção às demandas sociais constituem uma imperiosa necessidade de sobrevivência a qualquer organização.

Aparentemente, Mark Zuckerberg ainda não aprendeu a lição e continua ignorando reclamações, sempre focado na meta de assegurar o crescimento de receitas de sua empresa.

O escândalo de interferência na última eleição presidencial norte-americana, em que a consultoria Cambridge Analytica obteve, de forma indevida, os dados de cerca de 87 milhões de usuários, parecia ter ensinado a derradeira missão para que o Facebook implementasse mudanças não somente em suas políticas de privacidade e uso de dados, mas para que se alinhasse às expectativas da opinião pública perante questões sensíveis. Isso não ocorreu e, em junho de 2020, um novo movimento ganhou força: o Stop Hate For Profit (“Pare de lucrar com o ódio”, numa tradução livre).

Trata-se de um boicote sem precedentes marcado pela suspensão da compra de anúncios no Facebook (incluindo o Instagram), que conta com a participação de mais de mil empresas (dentre elas, players globais como Adidas, Boeing, Colgate-Palmolive, Coca-Cola, Diageo, Ford, Harley-Davidson, Honda, The North Face e Unilever), para exigir que Zuckerberg tome atitudes rígidas contra a disseminação do ódio, violência, fanatismo, racismo e antissemitismo.

Segundo relatório de Healther Bellini, do banco Goldman Sachs, “se os dez maiores anunciantes abandonassem a plataforma por seis meses, a receita cairia somente 1,7%”. Apesar de o impacto financeiro ser ínfimo, a campanha de boicote causa sérios danos à reputação do Facebook e convida seus bilhões de usuários a abrir os olhos e manter vigilantes suas consciências para os reais interesses de mercado que movem as redes sociais.

Por trás do aparente aspecto conectivo, lúdico e gratuito delas, há uma entrega de informações valiosíssimas sobre nossas vidas, sem nenhuma garantia efetiva de que o devido sigilo é respeitado. Como “usuários”, somos entorpecidos por um mundo viciante de dependência psíquica, em que uma legião de “seguidores” confere afagos em forma de likes. Mera especulação? Em absoluto! Isso é Neurociência.

Em maio de 2016, pesquisadores da Universidade da Califórnia (UCLA) estudaram a relação entre a popularidade de posts e as respostas cerebrais de internautas. Trinta e dois adolescentes, com idades entre 13 e 18 anos, foram informados de que estavam participando de uma pequena rede social semelhante ao Instagram. Por meio de ressonância magnética, os pesquisadores da UCLA observaram uma ativação nas regiões de recompensa do cérebro quando fotos desses adolescentes eram exibidas com um grande número de curtidas. Além disso, quando solicitados a curtir fotos aleatórias, observou-se uma espécie de ‘efeito manada’, de modo que as mais curtidas eram aquelas que já tinham alto índice de adesão.

Os resultados da pesquisa não se aplicam apenas a adolescentes. Prova inconteste disso é atentar para a satisfação pessoal que um post com muitos likes e compartilhamentos proporciona a um internauta de qualquer idade. Grandes corporações que controlam redes sociais sabem disso e, para perpetuar a lógica mercantil de seus negócios, inventam mecanismos que facilmente podem fraudar números, espalhar fake news e assegurar notoriedade a pessoas desqualificadas, transformando-as em influencers.

Tal como nos lembra Hannah Arendt, filósofa e uma das mais influentes teóricas políticas do século 20, só pode haver uma sociedade plural e inclusiva quando impera a liberdade, a tolerância e o respeito às diferenças. Infelizmente, não é isso o que vemos nas redes sociais, que, ao serem coniventes com o discurso do ódio, violência e manipulação, abrem espaço para o mal maior chamado totalitarismo. Não podemos admitir esse retrocesso. Reflexão crítica e combate à alienação devem fazer parte de nossa pauta diária de prioridades para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.